terça-feira, 29 de março de 2011

a primavera, no início

O clima é perturbador, mas ao mesmo tempo fértil demais. Caio leva nos bolsos duas pedras, um topázio e um lápis lazuli, comprados de um africano sentado numa rua da Baixa. Aperta com veemência uma delas. Rápido como a língua do vento, passa um rapaz que diz lá qualquer coisa com Al berto e o brasileiro não consegue entender. Chiado, pensa. E quando o miúdo se cala e vai embora:

-Vamos voltar para lá?
-Não me apetece. Vais fantasiado do que amanhã, Caio Fernando?
-De quadrado preto.

E volta pra pensão sozinho. Não quis ir até os bares bolorentos do Cais.
Deita na cama, o lençol de fios grossos, tanta ranhura nas digitais. Abre o caderno, passa a mão na folha em branco, escreve:

"Não sei se deu pra entender. Não estou me sentindo só mas quero ficar. Depois do espetáculo quando saímos e andei pelas ruas do Chiado percebi que estava tudo entrando em mim de um jeito muito espetaculoso também. Quis esquecer. Porque quando as coisas se mexem demais a vontade que dá é voltar pra trás ou acelerar tudo o máximo possível, até atravessar todos os vestígios do impossível? Estou devastado. Quero sub-inconscientemente mexer no teu inconsciente, a vida é tão vulgar. 

Comprei duas pedrinhas pra acariciar quando a vida ficar estrondosa. Hoje fez sol. Al berto me levou pra passear no Castelo e disse: Porque as alegrias súbitas como os sofrimentos baralham no início."