domingo, 4 de setembro de 2011

pequeno-almoço com dadá

-se ele acreditasse menos na literatura, conseguia escrever. a impressão que tenho é que ele podia dar um passo menos. é claro que dava! voltava um pouco. mas ele sempre quer estar muito à frente, dar a carne  aos pedacitos.
-mas nem tudo é para quem quer, né?, meu bem. o amor é das poucas coisas que taí pra todo mundo. a liberdade, não. maracujá que é azedo, todo mundo quer doce. me dá o açúcar e um desses definitivos?

 
- toma,
- uma das melhores iguarias da imensa doçaria portuguesa, obrigado. eu já te disse que você tem me tratado muito bem desde que estou aqui?
- já. é bom 'tares por cá. e ainda vou arranjar-te aquele caderno. não esqueci -me que gostaste da capa. e bem percebo como levam-nos por certas texturas.
- é, parece ser um caderno gostoso mesmo. ontem vi umas canetas novas. mas pra quê? tô que não escrevo faz eternidades. tem vezes parece que vem o waly salomão me dá um chupão e eu escrevo adoidado. fico bem, na medida. depois é aquela consumação, a gente não consegue desgrudar, sair da intriga. fico acabado, entonteço, tenho vontade de ligar pra clarice, mas penso que ou ela não vai atender, ou ela vai me dizer ai caio, vai ver um jardim. então não ligo. fico na minha. comigo. cansado.
- também eu, por vezes me farto. tenho ganas de ser impossível, começo a desconhecer tudo, fico intocável. foi aí que decidi vir viver ao pé do mar. queres vinho?
- ai não, minha boca tá amarga ainda. espero que não tenha sido por causa do fernando.
- é só vinho, caio.
- mas é que eu impliquei com ele por um pedaço dele ter o meu nome, entende? fiquei vidrado. como assim, o cara tem um pedaço do meu nome? ele tem um pedaço de mim.
- ouve, bebes um copo e te pões novo. fogo, o alarma disparou novamente? nomeadamente, corto a pila dele de uma vez. vá lá e arranque-o da tomada.

as caras dos gajos

nas pistas da autoestrada
estou conforme me encontro
numa nova estação.



eu gosto de ir aos poucos
mas quando não dá
eu avanço.




vivi por pouco.
desisti de ser encontrado.

lendo baudelaire na bica

- cadê o isqueiro, cara? cadê o isqueiro?
- fogo! desmaterializou. mas esse lume era de quem?
- não faço a mínima. qual era a cor dele?
- pá, se eu nem sei de quem era!
 (...) um silêncio é encontrado entre os dois, enquanto a fumaça sobe em direção à vidraça, caio diz:
- era de um vermelho maravilhoso,
- eu sei. se eu tivesse outro, eram dois destes. mas enquanto não me engolem, vão dando o que tenho à mão. faz-te um homem, vai ali embaixo e arranjas outro.
- eu fiz uma coisa tão louca com o fernando que eu até tenho vergonha de contar. não sei por onde começo. estou roxo. inacabado. um palmo a menos e não teria sido um erro. será que estou ficando inconsequente?
-faz-te um homem, vai ali embaixo e arranjas outro, pá.